Vânia Thais Silva Gomes
De
acordo com relatório da Agência Internacional para Pesquisa em Câncer – IARC
(2009) e Organização Mundial da Saúde – OMS (2008), o câncer ainda é
considerado a principal causa de morte em países desenvolvidos, permanecendo em
segundo lugar nos países em desenvolvimento.
Para
o câncer infantil, o Instituto Nacional do Câncer - INCA (2016) estima que
ocorram 12.600 nos anos de 2016 e 2017. Dentre estes casos, 70% das crianças e
adolescentes diagnosticadas com câncer podem ser curadas se o tratamento for instituído
precocemente, sendo os mais empregados a cirurgia, a quimioterapia e a
radioterapia.
A
radioterapia é um tratamento para tumores malignos cuja terapia empregada é a
radiação ionizante, ou seja, aquela que requer ionização no meio em que ocorre,
a tornando eletricamente inconstante. As radiações ionizantes atuam sobre o DNA
nuclear induzindo à morte ou à perda de sua disposição reprodutiva. Dessa forma
o teor de DNA dobra durante a mitose, assim como células com alto grau de
atividade mitótica são mais radiossensíveis do que aquelas com baixa taxa de
mitose (CACCELLI; RAPOPORT, 2008).
Já a
quimioterapia se estabelece através do uso de medicamentos que dominam ou curam
o câncer, pois esta atua no extermínio de células malignas, evitando a formação
de um novo DNA, além de impedir funções efetivas da célula ou induzir a
apoptose. Por ser uma terapêutica sistêmica, todos os tecidos podem ser
comprometidos, em graus distintos. Podem ainda causar desconfortos no sistema
digestório como: náuseas, vômitos, anomalias no paladar, além de proporcionar
redução no consumo alimentar e, portanto depleção do estado nutricional,
elevando assim os índices de morbimortalidade (TARTARI et al., 2010).
Durante
o tratamento quimioterápico e/ou radioterápico o paciente apresenta diversos
sintomas associados à doença ou a terapia empregada, o que intervêm
significativamente na qualidade de vida do individuo. Uma das complicações mais
recorrentes é a mucosite oral, que é resultante de uma ação inflamatória na
cavidade oral (SCHIMER; FERRARI; TRINDADE, 2012).
Atualmente, alguns autores propuseram o termo
“mucosite do trato alimentar”, substituindo o termo mucosite oral. Fato este
justificado por eles, por conta das alterações bucais que compõem apenas parte
de um grupo das alterações que acontecem em todo o trato gastrointestinal. Para
tanto, a nomenclatura sugerida retrataria melhor as características dessa
alteração (PETTERSO et al., 2006).
Quanto
à sintomatologia inicial da mucosite oral, podem ser observados eritemas, edemas,
sensação de ardência, e sensibilidade acrescida a alimentos quentes ou ácidos e
ulcerações doloridas recobertas por exsudato fibrinoso (pseudomembrana) de cor
brancacenta ou opaca (FRANCISCO, 2010).
Dependendo
do estado do paciente podem surgir múltiplas e extensas úlceras, induzindo à
desnutrição e à desidratação. Ainda podem surgir ulcerações aumentam o risco de
infecção local e sistêmica, além de comprometerem a função oral, o que pode
interferir no tratamento antineoplásico, o que pode levar à sua interrupção,
comprometendo assim a sobrevida do paciente (KOSTLER et al., 2001).
O
mecanismo de ação da mucosite oral se fundamenta na ocorrência da alta
atividade mitótica e turnover celular (renovação celular) da mucosa
oral. Uma vez que o alto grau de descamação celular obriga que as células
epiteliais se reproduzam mais rapidamente para recobrir a mucosa da boca
(SANTOS et al., 2011).
No
que se refere à prevenção e ao tratamento da mucosite oral ainda não estão bem
constituídos, mesmo que haja numerosos estudos tentando compreender e descobrir
medidas para diminuir a sua gravidade e prováveis complicações. Em meio a estes
agentes mais pesquisados e empregados para a profilaxia e a terapêutica da
mucosite oral, está o digluconato de clorexidina a 0,12%, bastante utilizada
devido suas propriedades antimicrobianas. Outro método empregado é o laser de
baixa intensidade, que tem proporcionado bons resultados no que se refere
manejo da mucosite oral, sendo eficaz no controle sintomático e na diminuição
da incidência, assim como na severidade das lesões, isso por conta da função
dos processos de bioestimulação tecidual, da aceleração do processo de
cicatrização e alívio da dor (BRITO et al., 2011).
No
que se refere aos lasers de baixa intensidade (LBI), refere-se a lasers sem
potencial fototérmico, sendo assim empregados para biomodulação. Os mais
utilizados estão na faixa do vermelho (632 a 780 nm), constituídos por fótons
de energia inferior a 2,0 elétron-volt (eV), logo, inferior a energia da
ligação das moléculas biológicas e do DNA, dessa forma não podem quebrar
ligações químicas e não são apropriados para induzir mutação e carcinogênese (
LOPES; MAS; ZÂNGARO, 2006).
A
interação entre a luz irradiada do laser no tecido é determinada pelas
características ópticas de cada tipo de tecido, dentre estes elementos as
propriedades ópticas (reflexão, absorção e espalhamento), assim como as
propriedades térmicas como a condutibilidade térmica e a capacidade térmica do
tecido. Outros fatores são essenciais, tais como o comprimento de onda, energia
aplicada, potência, assim como o tempo de exposição da luz no tecido (BAGNATO,
2001).
Quando
uma matéria viva é irradiada com laser ela interage com as propriedades ópticas
de reflexão, transmissão, espalhamento e absorção, dessa forma quando o tecido
é irradiado somente uma parte da luz não
penetra, portanto sendo refletida, porém uma outra parte da luz penetra no
tecido, sendo uma porção absorvida, outra espalhada e ainda uma outra porção
que será transmitida (LADALARDO et al. 2004).
Portanto
o laser é um equipamento que exerce manobras de transposição de população, isto
porque consiste na absorção de energia, isso ocorre para que a maior parte dos
átomos se excite. Fazendo com que a após a transposição de população haja um
retrocesso ao estado inicial com liberação de fótons. Essa energia térmica influencia na
transposição de população, mas quando os elétrons voltam para sua configuração
estável, os fótons são liberados sem relação de fase, ocorrendo dessa forma a
emissão espontânea (CAVALCANTI et al. 2011).
O
resultado da irradiação com LBI se fundamenta na disposição de modulagem assim
como em múltiplos procedimentos metabólicos, mediante a conversão da energia
luminosa aportada pelo laser através de processos bioquímicos e fotofísicos, os
quais alteram a luz laser em energia útil para a célula. Sendo assim
laser visível implica em reações nas mitocôndrias, com desdobramento na
produção de ATP mitocondrial, acréscimo no consumo de glicose celular, aumento
dos conteúdos de cálcio intracelular e do número de mitocôndrias celular (CHAO;
DEASY, 2009).
Portanto,
os múltiplos efeitos do laser de baixa intensidade se devem a sua atuação em
vários planos. Localmente, ocorre diminuição da inflamação por meio da
reabsorção de exsudatos e da supressão de substâncias algiogênicas. Há ainda,
interferência na mensagem elétrica durante a transferência do estímulo,
conservando o gradiente iônico nos dois lados da membrana celular e impedindo
ou diminuindo a despolarização da mesma, atuando ainda sobre as fibras nervosas
grossas que, quando estimuladas pelo laser, provocam bloqueio das fibras finas
(ANDRADE; FRARE, 2008).
Além
dos lasers e da clorexidina, os fitoterápicos são bastante utilizados para
tratamento da mucosite oral, visto que o uso de plantas medicinais com fins
terapêuticos é uma das mais remotas formas de prática medicinal da humanidade.
Neste contexto, o Brasil é o país de maior biodiversidade do planeta (de 15 a
20% do total) que quando, agregada a uma rica variedade de etnias e culturas,
detém de um estimado conhecimento clássico, associado ao uso de plantas
medicinais (CAETANO et al., 2015).
A
utilização de plantas medicinais pela população é natural da crença de que os
medicamentos provenientes de extratos naturais têm menor possibilidade de
ocasionar implicações colaterais e são mais eficazes que os medicamentos
alopáticos, além de serem mais comuns e baratos. Porém, sabe-se que os
fitoterápicos também podem conter efeitos colaterais e possuem
contraindicações, sendo imprescindível conhecer seus princípios ativos, os
aspectos relacionados à qualidade da planta e sua procedência a fim de que
possam ser usados com segurança (SANTOS, 2012).
O
aumento mundial da fitoterapia empregada aos programas preventivos e clínicos
tem estimulado a avaliação dos extratos de plantas para o uso no tratamento de
enfermidades bucais como no tratamento da mucosite oral, controle do biofilme
dental e outras afecções bucais. De tal modo que, os pacientes são beneficiados
pela prosperidade em recursos naturais proporcionados pela flora brasileira,
pois os produtos naturais estão cada vez mais presentes nos consultórios
médicos, odontológicos, embora a fitoterapia ainda possa ser pouco difundida
fora do meio acadêmico (OLIVEIRA, 2007).
Os
produtos odontológicos contendo substâncias naturais apresentam boas
perspectivas no mercado, como é o caso da camomila (Matricaria recutita Linn)
e da calêndula (Calendula officinalis).
A Matricaria
recutita Linn, de origem europeia, é um membro da família das Asteraceaes,
que conhecida por possuir uma variedade de flavonoides ativos, bem como
seu óleo volátil, que é rico em terpenoides, como o alfa-bisabolol e o
camazuleno. Todos esses constituintes propiciam a atividade anti-inflamatória,
antiespasmódica e antibacteriana da camomila (ALBURQUEQUE, 2010).
Já a Calendula officinalis, também pertencente
à família das Asteraceae, de origem mediterrânica, sempre foi utilizada
para fins anti-inflamatório e cicatrizante. Ultimamente, vários medicamentos a
base de extratos desta espécie são comercializados, inclusive o Ministério da
Saúde tem demonstrado interesse em introduzir seu uso no Sistema Único de Saúde
- SUS (TARTARI, et al., 2010)
CONCLUSÃO
Os fitoterápicos combinados com o laser de baixa
intensidade é uma poderosa ferramenta para prevenção e tratamento da mucosite
oral que tanto acomete pacientes em tratamento do câncer, que já estão em
estado debilitado devido ao tratamento quimioterápico e/ou radioterápico. Em posse dessas informações, ações de intervenção e protocolos
adequados para tratamento servirão como base para auxiliar os demais
profissionais na terapêutica adequada a estes pacientes.
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laserterapia de baixa potência sobre a dor em pacientes com disfunção
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2001.
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baixa potência na prevenção e no tratamento da mucosite oral. Rev. Odontol,
v. 41, n.14, p. 236-241, 2011.
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