Turma 2016

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segunda-feira, 23 de maio de 2016

PLASMA ELÉTRICO NA ÁREA BIOLÓGICA E CARACTERIZAÇÃO POR ESPECTROSCOPIA ÓPTICA DE EMISSÃO

Anelise Cristina Osório Cesar Doria

O termo “plasma” foi pioneiramente empregado na física, para um gás parcialmente ionizado, pelo cientista americano Irving Langmuir em 1929 (LAROUSSI, 2002). O termo “ionizado” significa que pelo menos um elétron não está ligado a um átomo ou molécula, convertendo-os em íons carregados positivamente. Conforme a temperatura de um ambiente é elevada, as espécies neutras tornam-se mais enérgicas e a matéria é transformada na sequência: sólido, líquido, gás e, finalmente, plasma, o que justifica o título de “quarto estado da matéria” (ALKAWAREEK et al, 2012). Estima-se que mais de 99% da matéria conhecida do universo encontra-se em tal estado.
A definição preliminar de plasma está restrita aos plasmas gasosos, que consistem em uma mistura de elétrons, íons e partículas neutras, ambos em neutralidade elétrica (equilíbrio entre as cargas negativas e positivas – propriedade conhecida como quase neutralidade) e com certo grau de condutividade elétrica, em contraste com um gás comum, devido à presença de cargas elétricas livres em seus constituintes. Tais cargas são geradas mediante processos de ionização por descargas elétricas, ou por processos de colisão de gases em temperaturas elevadas. Em geral, os portadores de carga negativa em um plasma são os elétrons enquanto os portadores de carga positiva são os íons (plasma eletropositivo). Todavia, para gases como o oxigênio (O2), por exemplo, ocorre também a formação de um segundo portador de carga negativa, o íon negativo, uma vez que estes gases têm uma grande capacidade de “capturar” elétrons que possuem baixas energias. Este fenômeno é conhecido por captura de elétrons e os plasmas em que este fenômeno ocorre são denominados eletronegativos.
Plasmas gasosos ou plasmas elétricos podem ser gerados em pressões atmosférica (760 Torr ou mmHg) ou sub-atmosférica. Dependendo da potência aplicada ao plasma este pode ser considerado como não-térmico (baixa temperatura, da ordem de ambiente a 1000ºC) ou térmico (temperaturas acima de 1000ºC).
Geralmente são construídos em materiais como polímeros, metais e cerâmicas, dependendo do tipo de aplicação. Os polímeros são utilizados para acabamentos e proteções, os materiais cerâmicos para proteção elétrica, visto que tais equipamentos utilizam altas tensões, e metais para eletrodos e contatos elétricos. Geralmente são utilizadas fontes de tensão alternada AC e fontes de tensão contínua DC, com configurações de variadas de frequência, geralmente radiofrequência e micro-ondas para a geração das descargas elétricas, sendo necessária a utilização de vários sistemas em paralelo para cobrir grandes áreas, de maneira sincronizada a se manter a homogeneidade da descarga.
Os plasmas não-térmicos possuem diversas aplicações, entre elas: processamento de materiais (deposição e corrosão) e fabricação de novos materiais para microeletrônica e nanotecnologia; metalurgia extrativa; recuperação de metais; síntese de nanomateriais; deposição de revestimentos resistentes; síntese química; conversão de energia; tratamento de gases de combustão; destruição dos resíduos industrial, médico e nucleares; melhoria de combustão do motor; e redução da exaustão de gases poluentes (KONG, 2006).
Já o uso de plasmas sub-atmosféricos para área biológica é frequente em esterilização, porém o custo dos equipamentos (sistema de vácuo, controle de fluxo e pressão, etc.) para sua geração é elevado o que muitas vezes não justifica o investimento. Plasmas atmosféricos reduzem bastante o custo do equipamento uma vez que necessitam apenas do controle do fluxo de entrada do gás e dos parâmetros da fonte de excitação do plasma (como frequência e potência). Um outro parâmetro importante a ser considerado para plasmas atmosféricos é a geometria dos eletrodos. Atualmente diversas concepções têm sido utilizadas como por exemplo descargas de barreira dielétrica (DBD), micro plasmas, jatos de plasma e descargas de arco deslizante (gliding arc) (LAROUSSI, 2002). Cada geometria possui uma capacidade de ionização, geração de espécies reativas e de transferência de calor. Cabe ao pesquisador avaliar qual a melhor geometria para uma dada aplicação. Existem várias empresas ao redor do mundo as quais produzem modelos comerciais, valendo citar a norte americana Atmospheric Plasma Solutions Inc. que trabalha com aplicações variadas e a brasileira Ibramed, que produz reatores de descarga atmosférica para aplicações médicas.
A figura 1 mostra a geometria de eletrodos para gerar um jato de plasma atmosférico tipo gliding arc.

Figura 1 – (a) Esquema de sistema de plasma gliding arc operando em vórtex reverso. (b) Foto do equipamento em funcionamento com zoom da pluma de plasma. Fonte: Autor

As condições para a geração de uma descarga de arco deslizante são: (i) uma fonte de potência com capacidade de fornecer uma tensão maior do que a tensão de ruptura (acima de 1 kV); (ii) um agente causador do movimento do arco (usualmente um fluxo de gás ou um campo magnético); e (iii) uma geometria de eletrodos divergentes, ou seja, a distância entre os eletrodos aumenta no sentido do movimento do arco. Ou seja, em primeira aproximação, a descarga de arco deslizante pode ser considerada simplesmente como um arco deslizando sobre a superfície dos eletrodos (SAGAS, 2013).
Inicialmente concebidas em uma geometria planar, novas geometrias foram desenvolvidas, em especial, as que utilizam o conceito de vórtice reverso (ou tornado) usado em processos de combustão e em plasmas de radiofrequência (RF) a pressão atmosférica. À medida que o arco é empurrado, este aumenta de tamanho e a tensão da descarga aumenta até atingir novamente a tensão de ruptura, ocasionando então a extinção da descarga e o reinício do ciclo de menor distância entre os eletrodos. Apesar de a maioria dos sistemas operarem desta forma, mudanças na geometria do sistema podem, em determinadas condições, permitirem a estabilização do arco, mantendo-o em regime contínuo, sem o ciclo de extinção e ignição (SOUZA, 2014).
Embora possa operar tanto em regime térmico quanto no regime não-térmico, este tipo de descarga tem chamado especial atenção devido ao seu regime “transitório”, no qual o arco, inicialmente térmico, sofre uma transição para o regime não-térmico durante seu alongamento. Neste regime é possível reunir dois importantes efeitos para tratamento de gases e materiais em pressão atmosférica: uma alta densidade eletrônica, da ordem de 1012 elétrons/cm3 (devido ao estágio inicial térmico) e a seletividade química proveniente do regime não térmico (SAGAS, 2009; FRIDMAN et al, 1999).
Plasmas elétricos são utilizados para inúmeras finalidades dentro da área médica, como: melhorar a biocompatibilidade de materiais (YASUDA, 1982), tais como lentes de contato, próteses vasculares, cateteres; esterilização de materiais em um período de tempo menor em relação às metodologias convencionais, como autoclavação e exposição ao óxido de etileno, além de utilizações na cicatrização de feridas, coagulação sanguínea, proliferação celular, incisões cirúrgicas, desinfecção local de tecidos, regeneração tecidual, tratamento de doenças de pele e na inativação de biofilmes (BOGAERTS et al, 2002; KONG, 2009; LAROUSSI, 2009; MORGAN, 2009).
Os mecanismos exatos que conduzem a inativação bacteriana ou fúngica pela ação do plasma elétrico ainda não são bem compreendidos (LAROUSSI, 2002; ALKAWAREEK et al, 2012). No entanto, acredita-se que vários produtos do plasma tem um papel importante neste processo, estes produtos incluem espécies reativas de oxigênio (ERO), espécies reativas de nitrogênio (ERN), a radiação UV e partículas carregadas (MA et al, 2008; LAROUSSI et al, 2004; GAUNT et al, 2006). Entre as ERO acredita-se estar envolvido neste processo o ozônio, o oxigênio atômico, superóxido, peróxido de hidrogênio, e radicais hidroxila (KONG et al, 2009). Embora muitas das referidas ERO tenham documentado atividades antibacterianas e antifúngicas por meio de suas interações com os diferentes componentes celulares (interação com o DNA, membrana plasmática e organelas celulares), é muito importante considerar os efeitos aditivos e sinérgicos que estas espécies têm umas com as outras e com outros produtos do plasma como radiação UV e partículas carregadas, em um ambiente físico e quimicamente complexo, antes de tirar quaisquer conclusões sobre o(s) responsável(is) pelo processo de inativação celular.
Uma das técnicas para a identificação das espécies químicas formadas no plasma e a variação de suas concentrações quando os parâmetros da descarga são variados é a espectroscopia óptica de emissão, que permite a aquisição de informação de um determinado sistema físico através da radiação eletromagnética emitida (CORRÊA, 2009). Basicamente um sistema de espectroscopia óptica é composto de um monocromador, rede de difração e uma fibra óptica para coleta da luz de uma fonte de emissão de luz (no caso o plasma). A figura 2 mostra um esquema experimental para obtenção de espectros por meio de espectroscopia óptica de emissão.

Figura 2 - Arranjo experimental para a técnica de espectroscopia óptica de emissão. Fonte: Autor

Através da determinação do comprimento de onda, ou frequência da radiação emitida, pode-se determinar a espécie química responsável pela emissão. Esta frequência é característica de cada espécie e depende dos seus níveis de energia. Nos átomos, estes níveis são determinados pela distribuição dos elétrons ao redor do núcleo. Nas moléculas os níveis de energia dependem também da separação entre os núcleos. Isto faz com que a luz emitida por moléculas seja influenciada por rotações e vibrações moleculares.  Então, em moléculas complexas, o grande número de átomos presentes origina uma multiplicidade de estados vibracionais, com energias próximas. Assim, ocorre uma sobreposição de linhas de emissão dando origem às bandas (UNESP,2005).
Na figura 3 é possível observar um exemplo de espectro obtido através do arranjo experimental demonstrado na figura 2.

Figura 3 - Espectros de emissão do plasma de Argônio (Fluxo de gás 10L/min, corrente de 19,8mA, tensão de 700V, potência de 14W e 60Hz de frequência). Fonte: Autor
           
No exemplo do espectro de emissão óptica acima, é possível verificar diversas espécies metaestáveis do Argônio (região do vermelho, 700-850nm), bem como espécies excitadas e ionizadas do N2 (região do azul, range de 300-400nm). Neste espectro, a intensidade das espécies de N2 é bem mais baixa em comparação com as espécies de Argônio, uma vez que o fluxo de gás é somente de argônio e o N2 e OH são residuais da pressão atmosférica. Portanto, a espectroscopia óptica de emissão é uma técnica muito utilizada, pois possibilita uma caracterização do plasma (determinação da temperatura do gás, da temperatura dos elétrons, da densidade dos elétrons, densidade de espécies reativas como OH, etc.) sem que sejam realizadas interferências no sistema, não necessita de aparato experimental demasiadamente sofisticado e pode ser realizada concomitantemente com o tratamento de amostras, por exemplo.

O vídeo abaixo uma breve explicação sobre o tema:



REFERÊNCIAS

ALKAWAREEK, M. Y.; ALGWARI, Q. TH.; LAVERTY, G.; GORMAN, S. P.; GRAHAM, W. G.; O’CONNELL, D.; GILMORE, B. F. Eradication of Pseudomonas aeruginosa Biofilms by Atmospheric Pressure Non-Thermal Plasma. PLoS ONE 7(8): e44289 (2012). doi:10.1371/journal.pone.0044289.
BOGAERTS, A; NEYTS, E; GIJBELS, R; MULLEN, J. Gas discharge plasmas and their applications. Spectrochimica Acta Part B 57 (2002) 609–658, 2002.
CORRÊA, J.A.S. Construção e caracterização de microtochas de plasma em rádio-frequência para misturas de argônio-hidrogênio. 2009. 189f. Tese (Doutorado em Física atômica e Molecular) – Instituto Tecnológico de Aeronáutica, São José dos Campos - SP.
FRIDMAN, A.; NESTER, S.; KENNEDY, L.A.; SAVELIEV, A.; MUTAF-YARDIMCI, O. Gliding arc gas discharge. Procress in Energy and Combustion Science, v. 25, p. 211-231, 1999.
GAUNT, L. F.; BEGGS, C. B.; GEORGHIOU, G. E. Bactericidal action of the reactive species produced by gas-discharge nonthermal plasma at atmospheric pressure: A review. IEEE Trans Plasma Sci 34: 1257–1269 (2006).
KONG, M. G.; KROESEN, G.; MORFILL, G.; NOSENKO, T.; SHIMIZU, T et al.   Plasma medicine: An introductory review. New Journal of Physics 11: 115012 (2009).
KONG, P. Atmospheric-pressure plasma process and applications. SOHN International Symposium On Advanced Processing of Metals and Materials; Principles, Technologies and Industrial Practice, 2006.
LAROUSSI, M. Nonthermal decontamination of biological media by atmospheric- pressure plasmas: Review, analysis, and prospects. IEEE Trans Plasma Sci 30: 1409–1415 (2002).
LAROUSSI, M.; LEIPOLD, F. Evaluation of the roles of reactive species, heat, and UV radiation in the inactivation of bacterial cells by air plasmas at atmospheric pressure. International Journal of Mass Spectrometry 233: 81–86 (2004).
LAROUSSI, M. Low-Temperature Plasmas for Medicine? IEEE TRANSACTIONS ON PLASMA      SCIENCE,      VOL.      37, NO. 6, JUNE      2009.     
MA, Y.; ZHANG, G.; SHI, X.; XU, G.; YANG, Y. Chemical mechanisms of bacterial inactivation using dielectric barrier discharge plasma in atmospheric air. IEEE Trans Plasma Sci 36:1615-1620 (2008).
MORGAN, M. M. Atmospheric pressure dielectric barrier discharge chemical and biological applications. Int. J. Phys. Sci. Vol. 4 (13) pp. 885-892, December 2009.
SAGÁS, J.C. Combustão assistida a plasma gerado por descarga de arco deslizante para produção de gases ricos em H2. 168 f.  Tese de doutorado – Instituto Tecnológico de Aeronáutica, São José dos Campos/SP, 2013.
SAGÁS, J.C. Caracterização de descargas de arco deslizante. 178 f.  Dissertação de mestrado – Instituto Tecnológico de Aeronáutica, São José dos Campos/SP, 2009.
SOUZA, M.A. Estudo do processo de vitrificação de cinzas de bagaço de cana-de-açucar por forno resistivo ou assistido por tocha de plasma tipo “gliding arc”. 72f. Dissertação de Mestrado – Universidade do Vale do Paraíba, São José dos Campos/SP, 2014.
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SÃO PAULO.  Laboratório de Plasmas Tecnológicos. Caracterização de Plasmas - Espectroscopia de Emissão Óptica. Disponível em: http://www2.sorocaba.unesp.br/gpm/Espectroscopia%20de%20Emiss%C3%A3o%20%C3%93ptica.htm

YASUDA, H.; GAZICKI, M. Biomedical applications of plasma polymerization and plasma treatment of polymer surfaces. Biomaterials. 1982 Apr; 3(2):68-77.

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