Anelise Cristina
Osório Cesar Doria
O termo “plasma” foi pioneiramente empregado na
física, para um gás parcialmente ionizado,
pelo cientista americano Irving Langmuir em 1929 (LAROUSSI, 2002). O termo
“ionizado” significa que pelo menos um elétron não está ligado a um átomo ou
molécula, convertendo-os em íons carregados positivamente. Conforme a
temperatura de um ambiente é elevada, as espécies neutras tornam-se mais
enérgicas e a matéria é transformada na sequência: sólido, líquido, gás e,
finalmente, plasma, o que justifica o título de “quarto estado da matéria”
(ALKAWAREEK et al, 2012). Estima-se que mais de 99% da matéria conhecida do
universo encontra-se em tal estado.
A definição preliminar de plasma está restrita aos
plasmas gasosos, que consistem em uma mistura de elétrons, íons e partículas
neutras, ambos em neutralidade elétrica (equilíbrio entre as cargas negativas e
positivas – propriedade conhecida como quase neutralidade) e com certo grau de
condutividade elétrica, em contraste com um gás comum, devido à presença de
cargas elétricas livres em seus constituintes. Tais cargas são geradas mediante
processos de ionização por descargas elétricas, ou por processos de colisão de
gases em temperaturas elevadas. Em geral, os portadores de carga negativa em um
plasma são os elétrons enquanto os portadores de carga positiva são os íons
(plasma eletropositivo). Todavia, para gases como o oxigênio (O2), por
exemplo, ocorre também a formação de um segundo portador de carga negativa, o
íon negativo, uma vez que estes gases têm uma grande capacidade de “capturar”
elétrons que possuem baixas energias. Este fenômeno é conhecido por captura de
elétrons e os plasmas em que este fenômeno ocorre são denominados eletronegativos.
Plasmas gasosos ou plasmas elétricos podem ser gerados
em pressões atmosférica (760 Torr ou mmHg) ou sub-atmosférica. Dependendo da
potência aplicada ao plasma este pode ser considerado como não-térmico (baixa
temperatura, da ordem de ambiente a 1000ºC) ou térmico (temperaturas acima de 1000ºC).
Geralmente são construídos em materiais como
polímeros, metais e cerâmicas, dependendo do tipo de aplicação. Os polímeros
são utilizados para acabamentos e proteções, os materiais cerâmicos para
proteção elétrica, visto que tais equipamentos utilizam altas tensões, e metais
para eletrodos e contatos elétricos. Geralmente são utilizadas fontes de tensão
alternada AC e fontes de tensão contínua DC, com configurações de variadas de
frequência, geralmente radiofrequência e micro-ondas para a geração
das descargas elétricas, sendo necessária a utilização de vários sistemas em
paralelo para cobrir grandes áreas, de maneira sincronizada a se manter a
homogeneidade da descarga.
Os plasmas não-térmicos possuem diversas aplicações,
entre elas: processamento de materiais (deposição e corrosão) e fabricação de
novos materiais para microeletrônica e nanotecnologia; metalurgia extrativa;
recuperação de metais; síntese de nanomateriais; deposição de revestimentos
resistentes; síntese química; conversão de energia; tratamento de gases de
combustão; destruição dos resíduos industrial, médico e nucleares; melhoria de
combustão do motor; e redução da exaustão de gases poluentes (KONG, 2006).
Já o uso de plasmas sub-atmosféricos para área
biológica é frequente em esterilização, porém o custo dos equipamentos (sistema
de vácuo, controle de fluxo e pressão, etc.) para sua geração é elevado o que muitas
vezes não justifica
o investimento. Plasmas
atmosféricos reduzem bastante o custo do equipamento uma vez que
necessitam apenas do controle do fluxo de entrada do gás e dos parâmetros da
fonte de excitação do plasma (como frequência e potência). Um outro parâmetro
importante a ser considerado para plasmas atmosféricos é a geometria dos
eletrodos. Atualmente diversas concepções têm sido utilizadas como por exemplo
descargas de barreira dielétrica (DBD), micro plasmas, jatos de plasma e
descargas de arco deslizante (gliding arc)
(LAROUSSI, 2002). Cada geometria possui uma capacidade de ionização, geração de
espécies reativas e de transferência de calor. Cabe ao pesquisador avaliar qual
a melhor geometria para uma dada aplicação.
Existem várias empresas ao redor do mundo as quais produzem modelos comerciais,
valendo citar a norte americana Atmospheric Plasma Solutions Inc. que trabalha
com aplicações variadas e a brasileira Ibramed, que produz reatores de descarga
atmosférica para aplicações médicas.
A figura 1 mostra a geometria de eletrodos para gerar
um jato de plasma atmosférico tipo gliding
arc.
Figura 1 – (a) Esquema de sistema de plasma gliding arc operando em vórtex reverso. (b) Foto do equipamento em funcionamento com
zoom da pluma de plasma. Fonte: Autor
As condições para a geração de uma descarga de arco
deslizante são: (i) uma fonte de potência com capacidade de fornecer uma tensão
maior do que a tensão de ruptura (acima de 1 kV); (ii) um agente causador do
movimento do arco (usualmente um fluxo de gás ou um campo magnético); e (iii)
uma geometria de eletrodos divergentes, ou seja, a distância entre os eletrodos
aumenta no sentido do movimento do arco. Ou seja, em primeira aproximação, a
descarga de arco deslizante pode ser considerada simplesmente como um arco
deslizando sobre a superfície dos eletrodos (SAGAS, 2013).
Inicialmente concebidas em uma geometria planar, novas
geometrias foram desenvolvidas, em especial, as que utilizam o conceito de
vórtice reverso (ou tornado) usado em processos de combustão e em plasmas de
radiofrequência (RF) a pressão atmosférica. À medida que o arco é empurrado,
este aumenta de tamanho e a tensão da descarga aumenta até atingir novamente a
tensão de ruptura, ocasionando então a extinção da descarga e o reinício do
ciclo de menor distância entre os eletrodos. Apesar de a maioria dos sistemas
operarem desta forma, mudanças na geometria do sistema podem, em determinadas
condições, permitirem a estabilização do arco, mantendo-o em regime contínuo,
sem o ciclo de extinção e ignição (SOUZA, 2014).
Embora possa operar tanto em regime térmico quanto no
regime não-térmico, este tipo de descarga tem chamado especial atenção devido
ao seu regime “transitório”, no qual o arco, inicialmente térmico, sofre uma
transição para o regime não-térmico durante seu alongamento. Neste regime é
possível reunir dois importantes efeitos para tratamento de gases e materiais
em pressão atmosférica: uma alta densidade eletrônica, da ordem de 1012
elétrons/cm3 (devido ao estágio inicial térmico) e a seletividade
química proveniente do regime não térmico (SAGAS, 2009; FRIDMAN et al, 1999).
Plasmas elétricos são utilizados para inúmeras
finalidades dentro da área médica, como: melhorar a biocompatibilidade de
materiais (YASUDA, 1982), tais como lentes de contato, próteses vasculares,
cateteres; esterilização de materiais em um período de tempo menor em relação às
metodologias convencionais, como autoclavação e exposição ao óxido de etileno,
além de utilizações na cicatrização de feridas, coagulação sanguínea,
proliferação celular, incisões cirúrgicas, desinfecção local de tecidos,
regeneração tecidual, tratamento de doenças de pele e na inativação de
biofilmes (BOGAERTS et al, 2002; KONG, 2009; LAROUSSI, 2009; MORGAN, 2009).
Os mecanismos exatos que conduzem a inativação
bacteriana ou fúngica pela ação do plasma elétrico ainda não são bem
compreendidos (LAROUSSI, 2002; ALKAWAREEK et al, 2012). No entanto, acredita-se
que vários produtos do plasma tem um papel importante neste processo, estes
produtos incluem espécies reativas de oxigênio (ERO), espécies reativas de
nitrogênio (ERN), a radiação UV e partículas carregadas (MA et al, 2008;
LAROUSSI et al, 2004; GAUNT et al, 2006). Entre as ERO acredita-se estar
envolvido neste processo o ozônio, o oxigênio atômico, superóxido, peróxido de
hidrogênio, e radicais hidroxila (KONG et al, 2009). Embora muitas das
referidas ERO tenham documentado atividades antibacterianas e antifúngicas por
meio de suas interações com os diferentes componentes celulares (interação com
o DNA, membrana plasmática e organelas celulares), é muito importante
considerar os efeitos aditivos e sinérgicos que estas espécies têm umas com as
outras e com outros produtos do plasma como radiação UV e partículas
carregadas, em um ambiente físico e quimicamente complexo, antes de tirar
quaisquer conclusões sobre o(s) responsável(is) pelo processo de inativação celular.
Uma das técnicas para a identificação das espécies
químicas formadas no plasma e a variação de suas concentrações quando os
parâmetros da descarga são variados é a espectroscopia óptica de emissão, que
permite a aquisição de informação de um determinado sistema físico através da
radiação eletromagnética emitida (CORRÊA, 2009). Basicamente um sistema de
espectroscopia óptica é composto de um monocromador, rede de difração e uma
fibra óptica para coleta da luz de uma fonte de emissão de luz (no caso o
plasma). A figura 2 mostra um esquema experimental para obtenção de espectros
por meio de espectroscopia óptica de emissão.
Figura 2 - Arranjo experimental para a técnica de
espectroscopia óptica de emissão. Fonte: Autor
Através da determinação do comprimento de onda, ou frequência
da radiação emitida, pode-se determinar a espécie química responsável
pela emissão. Esta frequência é característica de cada espécie e depende
dos seus níveis de energia. Nos átomos, estes níveis são determinados pela
distribuição dos elétrons ao redor do núcleo. Nas moléculas os níveis de
energia dependem também da separação entre os núcleos. Isto faz com que a luz
emitida por moléculas seja influenciada por rotações e vibrações moleculares. Então, em moléculas complexas, o grande número
de átomos presentes origina uma multiplicidade de estados vibracionais, com
energias próximas. Assim, ocorre uma sobreposição de linhas
de emissão dando origem às bandas (UNESP,2005).
Na
figura 3 é possível observar um exemplo de espectro obtido através do arranjo
experimental demonstrado na figura 2.
Figura 3 - Espectros de emissão do plasma de Argônio
(Fluxo de gás 10L/min, corrente de 19,8mA, tensão de 700V, potência de 14W e
60Hz de frequência). Fonte: Autor
No exemplo do espectro de emissão óptica acima, é
possível verificar diversas espécies metaestáveis do Argônio (região do
vermelho, 700-850nm), bem como espécies excitadas e ionizadas do N2
(região do azul, range de 300-400nm). Neste espectro, a intensidade das espécies
de N2 é bem mais baixa em comparação com as espécies de Argônio, uma
vez que o fluxo de gás é somente de argônio e o N2 e OH são
residuais da pressão atmosférica. Portanto, a espectroscopia óptica de emissão
é uma técnica muito utilizada, pois possibilita uma caracterização do plasma (determinação
da temperatura do gás, da temperatura dos elétrons, da densidade dos elétrons,
densidade de espécies reativas como OH, etc.) sem que sejam realizadas
interferências no sistema, não necessita de aparato experimental demasiadamente
sofisticado e pode ser realizada concomitantemente com o tratamento de
amostras, por exemplo.
O vídeo abaixo uma breve explicação sobre o tema:
O vídeo abaixo uma breve explicação sobre o tema:
REFERÊNCIAS
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http://www2.sorocaba.unesp.br/gpm/Espectroscopia%20de%20Emiss%C3%A3o%20%C3%93ptica.htm
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