Maria Emilia de Oliveira Brenha Ribeiro
A pele é um órgão heterogêneo,
composta de diferentes camadas que diferem em composição molecular e também em
morfologia. A camada mais superior, em contato com o meio externo, é chamada Stratum corneum (SC) e sua espessura
varia de 10 a 15 mm. É formada por células planas,
sem núcleo e queratinizadas, chamadas corneócitos. Abaixo desta camada, vem a
Epiderme, cuja espessura varia de 40 mm até 1 mm.
É uma camada estratificada e composta de tecido epitelial. A camada abaixo é
chamada Derme, com espessura de 1 a 4 mm, sendo composta, por sua vez, por
tecido conjuntivo. (Harris, 2003)
Diante de toda esta variedade,
muitos métodos biofísicos foram desenvolvidos nas últimas décadas a fim de
melhor compreender a biologia da pele, com destaque para as técnicas que
envolvem vibração espectral, como absorção em infra-vermelho (IR) e
espalhamento Raman. (H. Tagami, 1980) . A
espectroscopia em absorção em infra-vermelho é muito utilizada em estudos de
estrato córneo, mas apresenta limitação em estudos das camadas inferiores, que
possuem grande quantidade de água, uma vez que esta absorve comprimentos de
onda de IR médio e alto. A espectroscopia Raman aparece, então, como uma
técnica complementar ao IR e que é capaz de prover informações moleculares,
estruturais e de composição de determinada amostra desde a superfície da pele
até vários micrometros de profundidade (Chrit L, 2005) .
Assim sendo, o conhecimento sobre
os princípios e bases teóricas da espectroscopia Raman se torna fundamental
para a correta utilização da técnica, desde a coleta de dados até o tratamento
e interpretação dos resultados.
O espectrômetro Raman é configurado
genericamente conforme a figura 1 abaixo. A luz vinda de um laser de
titânio-safira é transmitida por um filtro passa baixa e focada na pele através
de uma objetiva. A luz com espalhamento Raman é então coletada pela mesma
objetiva, refletida pelo filtro passa baixa, filtrada por um filtro tipo notch ou de vidro e focada em uma fibra
óptica. Esta fibra guia a luz ao espectrômetro multicanal equipado com um uma
câmera do tipo charge-coupled device
(CCD) (Peter J. Caspers, 2001) .

Figura 1: Representação esquemática de um equipamento de
espectroscopia Raman confocal.
O primeiro aspecto da
espectroscopia Raman confocal que merece melhor entendimento é a fonte de luz
incidente na amostra: trata-se de radiação eletromagnética monocromática, em
forma de laser (Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation). O laser é um dispositivo que emite radiação
eletromagnética com características bem específicas: emite um comprimento de
onda bem definido; todas as ondas que compõem o feixe estão em fase; e
propaga-se como um feixe de ondas paralelas.
Quando um fóton encontra um sistema
energético de dois níveis, duas reações podem ocorrer:
a) Se um
elétron se encontra em seu estado fundamental, o fóton o excita a um nível
energético superior e este fenômeno é chamado absorção;
b) Se um
elétron já está em nível energético superior e ele retornar naturalmente ao estado fundamental
liberando um fóton, o fenômeno é conhecido como emissão. Se um fóton oscilar um
elétron no estado excitado e promove-lo para estado fundamental haverá a
emissão de um segundo fóton em um fenômeno é conhecido como emissão estimulada.
O segundo fóton estará em fase com aquele que o estimulou. Estes dois fótons
incidem sobre dois outros elétrons que, se em nível energético superior ao
fundamental, podem relaxar liberando outros dois fótons em fase. Esta reação é
conhecida como amplificação da luz. Esta reação em cadeia só ocorre se houver
uma inversão populacional (mais elétrons nos estados mais energéticos do que no
fundamental). Tal fenômeno só ocorre se houverem estados intermediários de
energia o que permite a amplificação da luz estimuladora de mesmo comprimento
de onda, em fase, e coerente, que é o que conhecemos como laser.
No caso do estudo de biomoléculas, o melhor é
que o comprimento de onda deste laser esteja na faixa do vermelho (em torno de
600 e 700 nm), que apresenta a menor bioluminescência e, consequentemente,
menor interferência na leitura. O diâmetro do laser do Raman confocal costuma
ser de 1 mm. Isto é uma vantagem, uma vez
que, ao diminuir a área de excitação, consequentemente também se diminui a
detecção das moléculas que emitem fluorescência quando excitadas. Esta fluorescência
pode interferir na captura do sinal pelo espectrômetro, mascarando a detecção
das moléculas relevantes. (Schrader, 1995) .
Quando uma onda eletromagnética
interage com determinado material, as órbitas eletrônicas dos constituintes são
perturbadas com a mesma frequência incidente. Esta perturbação na nuvem
eletrônica resulta em um momento dipolo induzido e sua interação com a radiação
eletromagnética resulta no espalhamento da luz incidente. Dois tipos de
espalhamento podem ocorrer: Rayleigh, também chamado elástico, e Raman (Stokes
e anti-Stokes), também chamado inelástico. No espalhamento Rayleigh a luz
espalhada possui o mesmo comprimento de onda da luz incidida (figura 2b,
abaixo); já no espalhamento Raman, o comprimento de onda é distinto. O
espalhamento inelástico de luz pode resultar tanto em um fóton de menor
energia, quanto em um fóton de maior energia. No primeiro caso (espalhamento
Stokes), o fóton incidente encontra a molécula em um estado vibracional
fundamental e o fóton espalhado a deixa em um estado vibracionalmente excitado
(figura 2a) enquanto que no segundo
caso (espalhamento anti-Stokes), a molécula já se encontra vibracionalmente
excitada e o fóton incidente a retorna ao seu estado fundamental, espalhando um
fóton de maior energia (de Faria DLA, 1997) . Em suma, o espalhamento Raman pode ser
Stokes e anti-Stokes que diferenciam-se pela característica do fóton espalhado:
se ele tiver menor energia que o incidente, trata-se de Raman Stokes, enquanto
que, se ele tiver maior energia que o incidente, trata-se de Raman anti-Stokes.
Apesar de o Stokes ser o escolhido
para produção do espectro por uma questão estatística, visto que haverá mais elétrons,
átomos ou moléculas no estado fundamental sendo este o mais provável.
Figura 2: Espalhamento de luz: (a) espalhamento inelástico
(região Stokes - Raman); (b) espalhamento elástico (Rayleigh); e (c)
espalhamento inelástico (região anti-Stokes - Raman)
Cada molécula absorve a energia de
forma diferente, a depender de suas características, tais como massa dos átomos
constituintes e força da interação entre estes átomos. Por exemplo, átomos
pesados, como Enxofre, apresentam menor frequência de vibração do que átomos
leves. Esta característica de absorção de energia é bastante importante, uma
vez que, quando liberada na forma de fótons, é o que será capturado pelo
espectrômetro e permitirá a identificação da molécula. Esta capacidade da luz
em afastar as cargas (mudar o dipolo) da molécula é chamada polarizabilidade.
A vibração molecular pode ser decomposta em três: bending, stretching simétrico e stretching assimétrico, como está ilustrado na figura abaixo. (lardbucket.org, s.d.)
Figura 3: Representação esquemática dos tipos de vibração
molecular.
O número de modos vibracionais que
determinada molécula apresenta é extremamente importante, uma vez que cada um
destes modos resultará em um pico de leitura no espectro. Para moléculas
tridimensionais, o número de modos vibracionais é dado por 3N-6 e, para
moléculas bidimensionais, 3N-5, sendo N o número de átomos que as constituem.
Como resultado, obtém-se um
espectro como o apresentado na figura abaixo, onde é possível identificar a
molécula de colágeno (pura no espectro D), em amostras de stratum corneum (A), epiderme (B) e derme (C). Como é possível ver
no espectro, o colágeno é caracterizado por dois picos, em 2884 cm-1 e
2930 cm-1 (Ali SM, 2013) .
Figura 4: Exemplo de espectro Raman. (A) amostra de stratum corneum; (B) amostra de
epiderme; (C) amostra de derme; e (D) amostra pura de colágeno.
Através do espectro, é possível
identificar as moléculas, seja por já estarem descritas na literatura; seja por
obtenção do espectro da molécula pura e compará-lo à amostra em estudo (caso da
figura 4); ou, seja por modelagem computacional, através da inferência de onde
estão os modos vibracionais através do conhecimento da fórmula molecular e das
ligações que a compõem.
Desta forma, a espectroscopia Raman
permite, então, entender, em nível molecular, o que está acontecendo com
determinada amostra. E, com a enorme vantagem de fazê-lo de forma não invasiva
e in vivo, eliminando o a variável do impacto da manipulação da amostra nos
resultados obtidos. Um exemplo forte disto é o crescente número de publicações
relacionadas à busca de marcadores para detecção de câncer por Raman,
eliminando-se assim a necessidade de biópsias.
Referências
Ali SM, B.
F. (2013). Raman spectroscopic analysis of human skin tissue sections ex-vivo:
evaluation of the effects of tissue processing and dewaxing. Journal of
Biomedical Optics, 0612021 - 06120212.
Chrit L, H. C.
(10 (4) de 2005). In vivo chemical investigation of human skin using a
Confocal Raman fiber optic microprobe. Journal of Biomedical Optics,
pp. 0440071 - 04400711.
de Faria DLA, S.
L. (1997). Uma Demonstração Sobre o
Espalhamento Inelástico de Luz: Repetindo o Experimento de Raman. Quimica Nova.
H. Tagami, M. O.
(75 de 1980). “Evaluation of the skin surface hydration in vivo by electrical
measurement". J. Invest.
Dermatol., pp. 500 -507.
Harris, M. I. (2003). Pele - Estrutura,
propriedades e envelhecimento. São Paulo: Senac.
lardbucket.org. (s.d.). Fonte:
http://2012books.lardbucket.org/books/principles-of-general-chemistry-v1.0/s22-04-entropy-changes-and-the-third-.html
Peter J. Caspers, G. W. (116 (3) de 2001). In Vivo Confocal
Raman Microspectroscopy of the Skin: Noninvasive determination of molecular
concentration profiles. The Society for Investigative Dermatology, pp.
434 - 442.
Schrader, B.
(1995). Infrared and Raman spectroscopy: methods and applications. VCH.
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