Turma 2016

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terça-feira, 31 de maio de 2016

Espectroscopia Raman Confocal

Maria Emilia de Oliveira Brenha Ribeiro

A pele é um órgão heterogêneo, composta de diferentes camadas que diferem em composição molecular e também em morfologia. A camada mais superior, em contato com o meio externo, é chamada Stratum corneum (SC) e sua espessura varia de 10 a 15 mm. É formada por células planas, sem núcleo e queratinizadas, chamadas corneócitos. Abaixo desta camada, vem a Epiderme, cuja espessura varia de 40 mm até 1 mm. É uma camada estratificada e composta de tecido epitelial. A camada abaixo é chamada Derme, com espessura de 1 a 4 mm, sendo composta, por sua vez, por tecido conjuntivo. (Harris, 2003)

Diante de toda esta variedade, muitos métodos biofísicos foram desenvolvidos nas últimas décadas a fim de melhor compreender a biologia da pele, com destaque para as técnicas que envolvem vibração espectral, como absorção em infra-vermelho (IR) e espalhamento Raman. (H. Tagami, 1980). A espectroscopia em absorção em infra-vermelho é muito utilizada em estudos de estrato córneo, mas apresenta limitação em estudos das camadas inferiores, que possuem grande quantidade de água, uma vez que esta absorve comprimentos de onda de IR médio e alto. A espectroscopia Raman aparece, então, como uma técnica complementar ao IR e que é capaz de prover informações moleculares, estruturais e de composição de determinada amostra desde a superfície da pele até vários micrometros de profundidade (Chrit L, 2005).

Assim sendo, o conhecimento sobre os princípios e bases teóricas da espectroscopia Raman se torna fundamental para a correta utilização da técnica, desde a coleta de dados até o tratamento e interpretação dos resultados.
O espectrômetro Raman é configurado genericamente conforme a figura 1 abaixo. A luz vinda de um laser de titânio-safira é transmitida por um filtro passa baixa e focada na pele através de uma objetiva. A luz com espalhamento Raman é então coletada pela mesma objetiva, refletida pelo filtro passa baixa, filtrada por um filtro tipo notch ou de vidro e focada em uma fibra óptica. Esta fibra guia a luz ao espectrômetro multicanal equipado com um uma câmera do tipo charge-coupled device (CCD) (Peter J. Caspers, 2001).


Figura 1: Representação esquemática de um equipamento de espectroscopia Raman confocal.

O primeiro aspecto da espectroscopia Raman confocal que merece melhor entendimento é a fonte de luz incidente na amostra: trata-se de radiação eletromagnética monocromática, em forma de laser (Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation). O laser é um dispositivo que emite radiação eletromagnética com características bem específicas: emite um comprimento de onda bem definido; todas as ondas que compõem o feixe estão em fase; e propaga-se como um feixe de ondas paralelas.  

Quando um fóton encontra um sistema energético de dois níveis, duas reações podem ocorrer:

a)      Se um elétron se encontra em seu estado fundamental, o fóton o excita a um nível energético superior e este fenômeno é chamado absorção;
b)      Se um elétron já está em nível energético superior e ele retornar naturalmente ao estado fundamental liberando um fóton, o fenômeno é conhecido como emissão. Se um fóton oscilar um elétron no estado excitado e promove-lo para estado fundamental haverá a emissão de um segundo fóton em um fenômeno é conhecido como emissão estimulada. O segundo fóton estará em fase com aquele que o estimulou. Estes dois fótons incidem sobre dois outros elétrons que, se em nível energético superior ao fundamental, podem relaxar liberando outros dois fótons em fase. Esta reação é conhecida como amplificação da luz. Esta reação em cadeia só ocorre se houver uma inversão populacional (mais elétrons nos estados mais energéticos do que no fundamental). Tal fenômeno só ocorre se houverem estados intermediários de energia o que permite a amplificação da luz estimuladora de mesmo comprimento de onda, em fase, e coerente, que é o que conhecemos como laser.


 No caso do estudo de biomoléculas, o melhor é que o comprimento de onda deste laser esteja na faixa do vermelho (em torno de 600 e 700 nm), que apresenta a menor bioluminescência e, consequentemente, menor interferência na leitura. O diâmetro do laser do Raman confocal costuma ser de 1 mm. Isto é uma vantagem, uma vez que, ao diminuir a área de excitação, consequentemente também se diminui a detecção das moléculas que emitem fluorescência quando excitadas. Esta fluorescência pode interferir na captura do sinal pelo espectrômetro, mascarando a detecção das moléculas relevantes.  (Schrader, 1995).

Quando uma onda eletromagnética interage com determinado material, as órbitas eletrônicas dos constituintes são perturbadas com a mesma frequência incidente. Esta perturbação na nuvem eletrônica resulta em um momento dipolo induzido e sua interação com a radiação eletromagnética resulta no espalhamento da luz incidente. Dois tipos de espalhamento podem ocorrer: Rayleigh, também chamado elástico, e Raman (Stokes e anti-Stokes), também chamado inelástico. No espalhamento Rayleigh a luz espalhada possui o mesmo comprimento de onda da luz incidida (figura 2b, abaixo); já no espalhamento Raman, o comprimento de onda é distinto. O espalhamento inelástico de luz pode resultar tanto em um fóton de menor energia, quanto em um fóton de maior energia. No primeiro caso (espalhamento Stokes), o fóton incidente encontra a molécula em um estado vibracional fundamental e o fóton espalhado a deixa em um estado vibracionalmente excitado (figura 2a) enquanto que no segundo caso (espalhamento anti-Stokes), a molécula já se encontra vibracionalmente excitada e o fóton incidente a retorna ao seu estado fundamental, espalhando um fóton de maior energia (de Faria DLA, 1997). Em suma, o espalhamento Raman pode ser Stokes e anti-Stokes que diferenciam-se pela característica do fóton espalhado: se ele tiver menor energia que o incidente, trata-se de Raman Stokes, enquanto que, se ele tiver maior energia que o incidente, trata-se de Raman anti-Stokes.

Apesar de o Stokes ser o escolhido para produção do espectro por uma questão estatística, visto que haverá mais elétrons, átomos ou moléculas no estado fundamental sendo este o mais provável.



 Figura 2: Espalhamento de luz: (a) espalhamento inelástico (região Stokes - Raman); (b) espalhamento elástico (Rayleigh); e (c) espalhamento inelástico (região anti-Stokes - Raman)

Cada molécula absorve a energia de forma diferente, a depender de suas características, tais como massa dos átomos constituintes e força da interação entre estes átomos. Por exemplo, átomos pesados, como Enxofre, apresentam menor frequência de vibração do que átomos leves. Esta característica de absorção de energia é bastante importante, uma vez que, quando liberada na forma de fótons, é o que será capturado pelo espectrômetro e permitirá a identificação da molécula. Esta capacidade da luz em afastar as cargas (mudar o dipolo) da molécula é chamada polarizabilidade.

A vibração molecular pode ser decomposta em três: bending, stretching simétrico e stretching assimétrico, como está ilustrado na figura abaixo. (lardbucket.org, s.d.)


Figura 3: Representação esquemática dos tipos de vibração molecular.

O número de modos vibracionais que determinada molécula apresenta é extremamente importante, uma vez que cada um destes modos resultará em um pico de leitura no espectro. Para moléculas tridimensionais, o número de modos vibracionais é dado por 3N-6 e, para moléculas bidimensionais, 3N-5, sendo N o número de átomos que as constituem.

Como resultado, obtém-se um espectro como o apresentado na figura abaixo, onde é possível identificar a molécula de colágeno (pura no espectro D), em amostras de stratum corneum (A), epiderme (B) e derme (C). Como é possível ver no espectro, o colágeno é caracterizado por dois picos, em 2884 cm-1 e 2930 cm-1 (Ali SM, 2013).


Figura 4: Exemplo de espectro Raman. (A) amostra de stratum corneum; (B) amostra de epiderme; (C) amostra de derme; e (D) amostra pura de colágeno.

Através do espectro, é possível identificar as moléculas, seja por já estarem descritas na literatura; seja por obtenção do espectro da molécula pura e compará-lo à amostra em estudo (caso da figura 4); ou, seja por modelagem computacional, através da inferência de onde estão os modos vibracionais através do conhecimento da fórmula molecular e das ligações que a compõem.

Desta forma, a espectroscopia Raman permite, então, entender, em nível molecular, o que está acontecendo com determinada amostra. E, com a enorme vantagem de fazê-lo de forma não invasiva e in vivo, eliminando o a variável do impacto da manipulação da amostra nos resultados obtidos. Um exemplo forte disto é o crescente número de publicações relacionadas à busca de marcadores para detecção de câncer por Raman, eliminando-se assim a necessidade de biópsias.

Referências

Ali SM, B. F. (2013). Raman spectroscopic analysis of human skin tissue sections ex-vivo: evaluation of the effects of tissue processing and dewaxing. Journal of Biomedical Optics, 0612021 - 06120212.
Chrit L, H. C. (10 (4) de 2005). In vivo chemical investigation of human skin using a Confocal Raman fiber optic microprobe. Journal of Biomedical Optics, pp. 0440071 - 04400711.
de Faria DLA, S. L. (1997). Uma Demonstração Sobre o Espalhamento Inelástico de Luz: Repetindo o Experimento de Raman. Quimica Nova.
H. Tagami, M. O. (75 de 1980). “Evaluation of the skin surface hydration in vivo by electrical measurement". J. Invest. Dermatol., pp. 500 -507.
Harris, M. I. (2003). Pele - Estrutura, propriedades e envelhecimento. São Paulo: Senac.
lardbucket.org. (s.d.). Fonte: http://2012books.lardbucket.org/books/principles-of-general-chemistry-v1.0/s22-04-entropy-changes-and-the-third-.html
Peter J. Caspers, G. W. (116 (3) de 2001). In Vivo Confocal Raman Microspectroscopy of the Skin: Noninvasive determination of molecular concentration profiles. The Society for Investigative Dermatology, pp. 434 - 442.
Schrader, B. (1995). Infrared and Raman spectroscopy: methods and applications. VCH.


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