Turma 2016

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terça-feira, 31 de maio de 2016

EFEITO NA ESTRUTURA DENTAL DE MEDICAMENTOS UTILIZADOS EM DOENÇAS RESPIRATÓRIAS


Raimundo Nonato Silva Gomes

 

Tanto o esmalte quanto a dentina podem sofrer um processo de dissolução das estruturas mineralizadas, a erosão dental, que pode ocorrer devido ao contato com ácidos que são introduzidos na cavidade oral, através de fontes intrínsecas e/ou extrínsecas. Dentre as principais causas intrínsecas estão as doenças que causam vômitos crônicos e a regurgitação gastresofágica. Já os fatores extrínsecos incluem: dieta (alimentos e bebidas ácidas), meio ambiente (piscinas cloradas, por exemplo), medicamentos e estilo de vida (hábitos e condição socioeconômica) (VASCONCELOS; VIEIRA; COLARES, 2010; HASSELKVISTA; JOHANSSON; JOHANSSON, 2016).
A erosão dental descreve o resultado físico de uma perda patológica, crônica, localizada e assintomática dos tecidos dentais pelo ataque químico e/ou físico da superfície do dente por ácidos e/ou quelantes, sem o envolvimento de bactérias. O ácido de origem não bacteriana é, provavelmente, a causa da erosão, levando à desmineralização da matriz inorgânica do dente (CATELAN; GUEDES; SANTOS, 2010).
Estudos in vitro mostram que, quando o esmalte e/ou dentina são expostos a uma solução com pH igual ou inferior a 4,5 a superfície do esmalte/dentina são alteradas, formando uma lesão macro e microscopicamente semelhante à erosão que se desenvolve na cavidade bucal. Esta situação pode ocorrer clinicamente quando os níveis de pH salivar são inferiores a 4,5 ou por meio do consumo de frutas, bebidas e medicamentos ácidos. A aparência macroscópica da área da superfície dental exposta com frequência a ácidos torna-se esbranquiçada, cretácea e opaca (SILVA; GINJEIRA, 2011).
Quanto ao potencial erosivo dos medicamentos, observa-se que o uso contínuo de medicamentos que possuem uma natureza ácida e que entram em contato direto com os dentes tem sido também identificado como um fator de risco extrínseco à erosão dentária, não somente em adultos, como também em crianças e adolescentes (THOMAS; VIVEKANANDA; YADAV, 2015).
Assim, medicamentos utilizados em algumas doenças respiratórias como asma, doença pulmonar obstrutiva crônica, insuficiência respiratória aguda, dentre outras, têm sido associados à erosão dental. Valinoti et al. (2008) realizaram estudo em 30 amostras de dentes humano (esmalte) com a aplicação de dois medicamentos (Dimetapp® e Claritin®) utilizados em acometimentos respiratórios onde foi demonstrado o potencial erosivo desses medicamentos, uma vez que ambas as drogas possuíam um pH inferior a 3,0, o que as colocaram como um agente potencialmente erosivo, tanto para o esmalte quanto para a dentina.
Dentre os medicamentos mais comumente utilizados nas doenças respiratórias destacam-se os expectorantes e broncodilatadores. Os expectorantes são responsáveis pela redução da viscosidade das secreções pulmonares. Portanto, esta classe de medicamentos é utilizada com a finalidade de aumentar a quantidade de secreções pulmonares e reduzir a viscosidade dessas secreções, promovendo, consequentemente, a remoção destas das vias aéreas (OLSSON et al., 2011).
Já os broncodilatadores agem através de seu efeito relaxante sobre a musculatura lisa dos pulmões. Eles pertencem a três classes farmacológicas: agonistas dos receptores β2-adrenérgicos, metilxantinas e antagonistas muscarínicos (ou anticolinérgicos inalatórios). Os broncodilatadores constituem o pilar terapêutico do tratamento sintomático da asma, uma vez que um sintoma muito comum das doenças respiratórias é a dispneia (CAMPOS; CAMARGOS, 2012).
Devido à frequência de processos erosivos sofridos pelo esmalte e dentina a remineralização é de grande relevância na terapêutica deste problema. O processo de remineralização pode ser realizado por diversas técnicas (aplicação tópica de flúor e uso de cremes dentais com flúor e com agentes terapêuticos) (SILVA; GINJEIRA, 2011).
Assim, a remineralização pode ser definida como qualquer ganho pela superfície dental que ocorra através da deposição de minerais na porção desmineralizada dos tecidos duros. Ela não somente interrompe o processo de desmineralização, como também repara as lesões cariosas incipientes. Nas áreas remineralizadas do esmalte, observa-se uma maior resistência a subsequente desmineralização do que no tecido original. O flúor é um importante agente remineralizador utilizado na rotina odontológica, cuja ação remineralizadora ocasiona o aumento de volume mineral nas lesões cariosas (RODRIGUES et al., 2010).
Na situação de um processo erosivo na dentina, deve-se considerar a diferença na composição desta, com maior porcentagem de componentes orgânicos. Ganss et al., 2001 demonstraram uma redução de ~10% na perda mineral após o uso de dentifrício fluoretado e redução de 20% após intensa fluoretação (dentifrício, flúor em solução e gel), que foi suficientemente eficaz para inibir completamente a progressão da erosão após um período inicial de desmineralização. Este resultado provavelmente está relacionado com o desenvolvimento da camada superficial desmineralizada rica em colágeno e esta atua como uma membrana de tamponamento que protege as camadas mais profundas da dentina contra valores de pH baixos. Na presença de quantidades elevadas de fluoreto a capacidade de tamponamento do material orgânico parece ser suficiente para reduzir ou inibir a desmineralização (GANSS et al., 2004).
Diante do exposto, a existência da erosão dental com elevada incidência, comprovada por estudos de Yan-Fang (2011) e Amaral et al. (2012) tem se configurado como um grave problema de saúde pública e tem despertado grande interesse em pesquisadores. Assim, o aprofundamento de pesquisas nesta área de conhecimento irá possibilitar o desenvolvimento de medidas diversas (prevenção e tratamento) a este grave problema de saúde bucal.
No que refere às doenças respiratórias, a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2008) afirma que centenas de milhões de pessoas sofrem de doenças respiratórias, 300 milhões têm asma, 210 milhões DPOC e 3 milhões têm outras doenças respiratórias crônicas. Em 2005, 250.000 pessoas morreram de asma e 3 milhões de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC). Estima-se que em 2030 a DPOC se torne a 3ª causa de morte em todo o mundo. A OMS e o Banco Mundial estimam que quatro milhões de pessoas com doenças respiratórias crônicas podem ter morrido prematuramente e, as projeções são de aumento considerável do número de mortes no futuro.
O dente é recoberto pelo esmalte que é por uma camada externa de 2 mm, formada da porção mineral de hidroxiapatita [Ca5(PO4)3(OH)] que corresponde a 96,0% e os 4,0% restantes de proteínas e água; possui uma estrutura prismática cristalina capaz de refletir, absorver e transmitir a luz através de sua estrutura, resultando em características particulares, observadas nos dentes naturais, como a translucidez, o brilho, a opalescência e a fluorescência (BARATIERI et al., 2008).
Quanto à dentina, trata-se da massa principal do dente, dando a forma geral ao mesmo. É dura como osso, porém permeável devido aos microtúbulos. É uma extensão fisiológica da polpa. Aproximadamente 35,0% da dentina é material orgânico, composta de colágeno e substância orgânica fundamental de mucupolissacarídeos (proteoglicanos e glicosaminoglicanos). Os demais 65,0% são inorgânicos – hidroxiapatita. Assim, a estimativa da densidade canalicular varia de 40 a 70 mil canalículos por milímetro quadrado, dependendo da distância que se encontra em relação à polpa; quanto maior a proximidade com a polpa, maior a concentração destes canalículos (DELFINO et al., 2010).
O cemento é um tecido conjuntivo mineralizado e avascular que deriva do ectomesênquima do saco folicular. À semelhança do esmalte que envolve a dentina ao nível da coroa, o cemento recobre-a em nível da raiz. Estruturalmente, a sua composição é semelhante à do osso, com cerca de 50% de hidroxiapatita (parte inorgânica) e o restante é de material orgânico, principalmente colagéno de tipo I. Ele permite a inserção de fibras do ligamento periodontal. Nos dentes jovens, a camada de cemento é reduzida, aumentando gradualmente de espessura com a idade. A menor espessura de cemento encontra-se em nível do colo dentário, fazendo nessa zona a sua junção com o esmalte, de diversas formas (FERREIRA; CARRILHO; LEITÃO, 2006; LIMA, 2010).


A erosão dentária é uma lesão causada pela exposição da estrutura dental à ação de ácidos de origem não bacteriana, a qual tem recebido cada vez mais atenção de pesquisadores e clínicos por sua crescente prevalência e detecção clínica (KREULEN et al., 2010; HUYSMANS; CHEW; ELLWOOD, 2011; COMAR et al., 2013).
A erosão dentária vem ganhando importância como um problema de maior reconhecimento por parte da comunidade científica e clínica, em decorrência do aumento da incidência que está sendo observada em crianças, adolescentes e adultos. Sendo caracterizada pela perda cumulativa do tecido dentário, que pode ser agravada com o tempo, devido à interação com outros tipos de desgaste. O desgaste erosivo severo pode causar perda funcional e estética. A erosão pode estar associada com hipersensibilidade, alteração na oclusão dentária e exposição da polpa (SALAS et al., 2015).
As lesões por erosão, decorrentes da ingestão produtos ácidos, localizam-se com maior frequência por vestibular no terço cervical dos dentes anteriores, apesar de existir a possibilidade de ocorrerem em qualquer região do elemento dental. A área cervical é normalmente a mais afetada porque a autolimpeza é menor do que em outras regiões e com isso o ácido permanece neste local por um período mais prolongado (RANDAZZO; AMORMINO; SANTIAGO, 2006; LIMA, 2010).
A lesão de erosão é caracterizada pela desmineralização da camada superficial do esmalte com a subsequente perda irreversível da estrutura dental a partir do contato frequente com ácidos. Íons de cálcio e fosfato são removidos, deixando espaços vazios, micrométricos, nos tecidos duros do dente. Isso gera o aparecimento de uma camada superficial fragilizada e desmineralizada (LUSSI et al., 2011).

Os dentes sofrem contínuos processos de desmineralização seguida por remineralização e restabelecimento da integridade do esmalte dentário. Esse fenômeno está representado pela equação da reação reversível de dissociação da hidroxiapatita na saliva ilustrada na Figura 1.

Figura 1. Processo de des-remineralalização.

A erosão dentária é muitas vezes descrita apenas como um fenômeno de superfície, ao contrário de cárie onde foi comprovado que os efeitos destrutivos envolvem tanto a superfície quanto a região de subsuperfície. No entanto, além da remoção da superfície, a erosão apresenta uma dissolução de minerais na camada desmineralizada - abaixo da superfície (LUSSI; CARVALHO, 2014).
A erosão dental apresenta duas fases distintas recentemente classificadas como "erosão" (Fase inicial), em que existe apenas uma desmineralização do esmalte sem perda estrutura dentária (passível de remineralização) e "desgaste dentário erosivo" (Fase avançada), com perda de superfície dentária devido aos sucessivos ataques erosivos com uma superfície remanescente enfraquecida (SHELLIS et al., 2011). A camada remanescente alterada apresenta baixa resistência a desafios erosivos adicionais, bem como ao desgaste mecânico por forças, tais como a abrasão e desgaste (ATTIN et al., 2001; ADDY; HUNTER, 2003; RIOS et al., 2006).
O padrão característico da cárie é diferente da erosão, pois consiste em uma desmineralização superficial causada pela passagem do ácido proveniente do metabolismo bacteriano através de falhas ou porosidades do esmalte. Quando atingem a dentina, rica em apatita carbonatada e, portanto, mais solúvel, inicia-se o processo de desmineralização mais amplo (GARONE FILHO; SILVA, 2008).
A lesão por erosão é principalmente um fenômeno de superfície causado por ataques frequentes de ácidos, muitas vezes, fortes e com baixo pH, como é o caso dos ácidos cítrico e clorídrico. Pode ser encarada como um fenômeno irreversível de perda de estrutura dental, porque, nesses casos, a estrutura cristalina é completamente destruída, e o esmalte não possui a capacidade de se regenerar. Porém, isso não é uma regra, pois nos estágios iniciais o fenômeno é reversível devido à possibilidade de remineralização e endurecimento por crescimento dos cristais que foram parcialmente desmineralizados (GARONE FILHO; SILVA, 2008). A severidade das lesões pode variar, apresentando mudanças nas características superficiais do esmalte, perda de superfície do esmalte até a exposição de dentina (BONATO et al., 2015).



A Espectroscopia Raman, pode ser definida como uma técnica que estuda a interação da radiação eletromagnética com a matéria, tendo como objetivo conhecer os níveis de energia de átomos e moléculas (SOUZA, 2009). É uma técnica com base na irradiação do tecido biológico por um laser. A energia espalhada inelasticamente pela amostra fornece informações sobre as ligações químicas, podendo determinar o aumento ou decréscimo da quantidade de um dado grupo molecular. Estes dados podem ser monitorados em tempo real, sem nenhuma degradação da amostra. De fato, a espectroscopia Raman tem se mostrado uma ferramenta bastante versátil no diagnóstico de doenças (OLIVEIRA et al., 2012).
O espalhamento inelástico pode ser subdividido em dois tipos: Stokes e anti-Stokes. O efeito Stokes ocorre quando as moléculas recebem a energia no seu estado fundamental, e o anti-stoke a molécula já está em estado excitado. Efeito Raman também gera três modelos vibracionais nas moléculas: bend,symmetric or asymmetric strech; Sendo o número de modelos vibracionais traduzidos pelas seguintes fórmulas matemáticas:3n-6 para moléculas não lineares, por exemplo: água (H2O) e 3n-5 para moléculas lineares, por exemplo gás carbônico (CO2), sendo n representa número de átomos da molécula (CHOU, CHEN, 1977).
Um feixe de radiação laser de baixa potência é usado para iluminar pequenas áreas do objeto de interesse e ao incidir sobre a área definida, é espalhado em todas as direções, sendo que uma pequena parcela dessa radiação é espalhada inelasticamente, isto é, com frequência (ou comprimento de onda) diferente da incidente (E = hν ou E = h.c.λ-1) (CHOU, CHEN, 1977).
A espectroscopia Raman vem sendo utilizada para a caracterização de materiais pois permite identificar estrutura, a conformação molecular e o grau de desordem de materiais em geral. Esta técnica é muito usada devido à facilidade de manipulação, preparação e porque promove uma análise rápida e eficaz das amostras (MANDAIR; MORRIS, 2015).
Essa técnica tem sido utilizada para diversos estudos preliminares (MANUEL et al., 2008; AMARAL et al., 2012; SOARES et al., 2012) no diagnóstico de erosão dental e definição da estrutura e composição dos elementos dentais. Tendo em vista que os espectros Raman do dente possibilitam a visualização de bandas vibracionais importantes relacionadas à sua composição química. Algumas das principais bandas Raman relativas aos componentes da estrutura dental entre ~430 a ~1450 cm-1 (CARVALHO et al., 2013). A Figura 2 demonstra espectros de amostras de esmalte dentário de três grupos diferentes (linha pontilhada – grupo controle; linha contínua – grupos tratamento; e linha grossa – grupo exposto a processo erosivo).

Figura 2. Espectro de esmalte dentário.
Fonte: Ana et al., 2014.

Estudo realizado por Braga et al. (2011) demonstraram as diferenças nos espectros vibracionais da camada de esmalte exposta ao processo erosivo ocasionado por suco de laranja e suco gástrico, o que demonstra uma das aplicações da técnica na avaliação do processo erosivo. Em contrataste com outros estudos, a técnica empregada neste estudo possibilitou a confirmação de que o suco gástrico possui um potencial erosivo acima do suco de laranja, uma vez que a média da concentração de PO4-3, CO3-2 e colágeno nas amostras expostas ao suco gástrico foram inferiores às do suco de laranja.


A microfluorescência de raios X por energia dispersiva (µ-EDXRF) é uma técnica analítica multielementar e não destrutiva que permite uma avaliação tanto qualitativa (identificação dos elementos presentes numa amostra) como também quantitativa, permitindo estabelecer a proporção em que cada elemento se encontra presente na estrutura química. Permite, ainda, a comparação entre as leituras inicial, denominada controle (antes do tratamento), e final (após o tratamento) para todos os grupos (SOARES et al., 2012).
A técnica é baseada na medida da intensidade (número de fótons coletados por unidade de tempo) dos raios-x característicos emitidos pelos elementos que constituem a amostra quando devidamente excitada. A microanálise eletrônica, é mais comumente efetuada por microscópios eletrônicos de transmissão e varredura, é baseada na medida de raios-x característico emitidos de uma região microscópica da amostra bombardeada por um feixe de elétrons. As linhas de raios-x característicos são específicas do número atômico da amostra e seus comprimentos de onda (ou sua energia), e podem identificar o elemento que está emitindo a radiação (SILVA, 2009).
De modo resumido, a análise por µ-EDXRF consiste de três fases: excitação dos elementos que constituem a amostra; dispersão dos raios X emitidos pela amostra e detecção dos raios X emitidos (GREGÓRIO, 2001). A intensidade do pico característico emitida pelos componentes da amostra está relacionada com a concentração de cada elemento presente na mesma. Deste modo, uma avaliação quantitativa por comparação pode ser conduzida para determinar a relação dos teores dos elementos cálcio (Ca) e fósforo (P) presentes no composto mineral dos tecidos dentários.
Na avaliação da estrutura dental, a microfluorescência de raio-X por energia dispersiva - µ-EDXRF possibilita uma análise semi-quantitativa dos seus componentes inorgânicos, dentre eles: o cálcio e o fósforo. Estudo in vitro de Mantovani (2011) demonstrou a acurácia da técnica na análise do percentil de cálcio e fósforo na dentina. Por meio da microfluorescência de raio-X por energia dispersiva foi possível determinar a diferença dos minerais nos diferentes substratos do dente, além do estabelecimento da relação cálcio/fósforo na dentina.
O processo erosivo provocado por sucos e refrigerantes em dentes bovinos e posteriormente remineralizados com flúor gel e vernizes, foi avaliado no estudo de Soares e Carvalho Filho (2015), por meio das técnicas microfluorescência de raios-X por energia dispersiva, microscopia eletrônica de varredura e rugosidade de superfície. No estudo, foram avaliados dois agentes potencialmente erosivos, a Pepsi Twistâ e um suco de laranja industrializado, ambos com baixo pH. A pesquisa demonstrou que após a exposição ao refrigerante houve maior redução na espessura da camada de esmalte do dente bovino, quando comparado ao suco de laranja. Já na avaliação do processo de remineralização observou-se que foi menos eficaz nas amostras expostas à Pepsi Twistâ, confirmando o potencial erosivo do refrigerante.  
Já em um estudo abordando a erosão química provocada em materiais restauradores também foi possível por meio de técnicas de microanálise (espectroscopia de raios-X por dispersão em energia e microscopia eletrônica de varredura) a avaliação tanto do conteúdo inorgânico do esmalte dental quanto do material restaurador utilizado. Na investigação, foram utilizadas 50 amostras de dentes bovinos e, posteriormente divididas em cinco grupos, dois grupos foram exposto a processos erosivos, confirmado pelas referidas técnicas de microanálise (SOARES et al., 2012). Verificou-se que o esmalte nas margens das restaurações de cimento de ionômero de vidro apresentou níveis maiores de cálcio após a erosão associada à enxaguatórios bucais contendo flúor do que nos outros grupos.


            O Microscópio Eletrônico de Varredura (MEV) é um dos mais versáteis instrumentos disponíveis para a observação e análise das características microestruturais de materiais sólidos. O princípio de um microscópio eletrônico de varredura consiste em utilizar um feixe de elétrons de pequeno diâmetro para explorar a superfície da amostra, ponto a ponto, por linhas sucessivas e transmitir o sinal do detector a uma tela catódica cuja varredura está perfeitamente sincronizada com aquela do feixe incidente. Por um sistema de bobinas de deflexão, o feixe pode ser guiado de modo a varrer a superfície da amostra segundo uma malha retangular (ALVES et al., 2015). Nesse equipamento um filamento aquecido bombardeia a amostra com elétrons que são absorvidos e refletidos. Elétrons secundários, decorrentes da própria amostra são emitidos e utilizados para produzir uma imagem morfológica do material. A Figura 3 demonstra análises de amostra de esmalte dentário expostos a processos erosivos.
   
Figura 3. Esmalte dentário exposto a processos erosivos.
Fonte: Soares; Carvalho Filho, 2015.


            Nesta técnica analítica é necessário o uso de padrões primários e, em alguns casos, de padrões secundários para quantificar, por interpolação os teores composicionais em uma determinada amostra (SILVA, 2009).
            Uma das maiores vantagens do uso da microscopia eletrônica de varredura na avaliação do processo erosivo na estrutura dental é a obtenção de imagens em alta resolução e de excelente qualidade. Estudo desenvolvido por Moreira et al. (2012), utilizando a referida técnica, possibilitou a identificação do processo erosivo ocorrido nos dentes por compostos ácidos que atuavam como agentes etiológicos da erosão. Soares e Carvalho Filho (2015), em análise de 63 amostras de dentes bovinos, na superfície do esmalte, demonstrou por meio de microscopia eletrônica de varredura o efeito remineralizador do flúor, uma vez que após a exposição a processos de des-remineralização a técnica de análise possibilitou a caracterização dos aspectos morfológicos causados pela erosão na superfície do esmalte e dos efeitos dos diferentes tratamentos com flúor.
            Portanto, pode-se observar que uma abordagem variada na análise das amostras pode garantir uma maior fidedignidade dos dados e facilitar o seu processo de interpretação, uma vez que a utilização de várias técnicas de análise possibilita a diversos públicos o entendimento dos resultados apresentados.

Vídeo:


REFERÊNCIAS



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SOUZA, R. A. Analise do tecido ósseo sadio e osteoporódico por meio da espectroscopia raman: um estudo ex vivo em modelo animal. 2009. 70 f. Tese (Engenharia Biomédica) - Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento, Universidade do Vale do Paraíba, São José dos Campos/SP, 2009.

THOMAS, M. S.; VIVEKANANDA, A. R. P.; YADAV, A. Medication-Related Dental Erosion: A Review. Compend. Contin. Educ. Dent., v. 36, n. 9, p. 662-666, 2015.

VALINOTI, A. C. et al. Surface degradation of composite resins by acidic medicines and ph-cycling. J. Appl. Oral Sci., v. 16, n. 4, p. 257-265, 2008.

VASCONCELOS, F. M. N.; VIEIRA, S. C. M.; COLARES, V. Erosão Dental: Diagnóstico, Prevenção e Tratamento no Âmbito da Saúde Bucal. Rev. Bras. de Ciênc. da Saúde, v. 14, n. 1, p. 59-64, 2010.

YAN-FANG-REN, D. D. S. Dental Erosion: Etiology, Diagnosis and Prevention. RDH Mag., v. 33, n. 1, p. 76-84, 2011.

Espectroscopia Raman Confocal

Maria Emilia de Oliveira Brenha Ribeiro

A pele é um órgão heterogêneo, composta de diferentes camadas que diferem em composição molecular e também em morfologia. A camada mais superior, em contato com o meio externo, é chamada Stratum corneum (SC) e sua espessura varia de 10 a 15 mm. É formada por células planas, sem núcleo e queratinizadas, chamadas corneócitos. Abaixo desta camada, vem a Epiderme, cuja espessura varia de 40 mm até 1 mm. É uma camada estratificada e composta de tecido epitelial. A camada abaixo é chamada Derme, com espessura de 1 a 4 mm, sendo composta, por sua vez, por tecido conjuntivo. (Harris, 2003)

Diante de toda esta variedade, muitos métodos biofísicos foram desenvolvidos nas últimas décadas a fim de melhor compreender a biologia da pele, com destaque para as técnicas que envolvem vibração espectral, como absorção em infra-vermelho (IR) e espalhamento Raman. (H. Tagami, 1980). A espectroscopia em absorção em infra-vermelho é muito utilizada em estudos de estrato córneo, mas apresenta limitação em estudos das camadas inferiores, que possuem grande quantidade de água, uma vez que esta absorve comprimentos de onda de IR médio e alto. A espectroscopia Raman aparece, então, como uma técnica complementar ao IR e que é capaz de prover informações moleculares, estruturais e de composição de determinada amostra desde a superfície da pele até vários micrometros de profundidade (Chrit L, 2005).

Assim sendo, o conhecimento sobre os princípios e bases teóricas da espectroscopia Raman se torna fundamental para a correta utilização da técnica, desde a coleta de dados até o tratamento e interpretação dos resultados.
O espectrômetro Raman é configurado genericamente conforme a figura 1 abaixo. A luz vinda de um laser de titânio-safira é transmitida por um filtro passa baixa e focada na pele através de uma objetiva. A luz com espalhamento Raman é então coletada pela mesma objetiva, refletida pelo filtro passa baixa, filtrada por um filtro tipo notch ou de vidro e focada em uma fibra óptica. Esta fibra guia a luz ao espectrômetro multicanal equipado com um uma câmera do tipo charge-coupled device (CCD) (Peter J. Caspers, 2001).


Figura 1: Representação esquemática de um equipamento de espectroscopia Raman confocal.

O primeiro aspecto da espectroscopia Raman confocal que merece melhor entendimento é a fonte de luz incidente na amostra: trata-se de radiação eletromagnética monocromática, em forma de laser (Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation). O laser é um dispositivo que emite radiação eletromagnética com características bem específicas: emite um comprimento de onda bem definido; todas as ondas que compõem o feixe estão em fase; e propaga-se como um feixe de ondas paralelas.  

Quando um fóton encontra um sistema energético de dois níveis, duas reações podem ocorrer:

a)      Se um elétron se encontra em seu estado fundamental, o fóton o excita a um nível energético superior e este fenômeno é chamado absorção;
b)      Se um elétron já está em nível energético superior e ele retornar naturalmente ao estado fundamental liberando um fóton, o fenômeno é conhecido como emissão. Se um fóton oscilar um elétron no estado excitado e promove-lo para estado fundamental haverá a emissão de um segundo fóton em um fenômeno é conhecido como emissão estimulada. O segundo fóton estará em fase com aquele que o estimulou. Estes dois fótons incidem sobre dois outros elétrons que, se em nível energético superior ao fundamental, podem relaxar liberando outros dois fótons em fase. Esta reação é conhecida como amplificação da luz. Esta reação em cadeia só ocorre se houver uma inversão populacional (mais elétrons nos estados mais energéticos do que no fundamental). Tal fenômeno só ocorre se houverem estados intermediários de energia o que permite a amplificação da luz estimuladora de mesmo comprimento de onda, em fase, e coerente, que é o que conhecemos como laser.


 No caso do estudo de biomoléculas, o melhor é que o comprimento de onda deste laser esteja na faixa do vermelho (em torno de 600 e 700 nm), que apresenta a menor bioluminescência e, consequentemente, menor interferência na leitura. O diâmetro do laser do Raman confocal costuma ser de 1 mm. Isto é uma vantagem, uma vez que, ao diminuir a área de excitação, consequentemente também se diminui a detecção das moléculas que emitem fluorescência quando excitadas. Esta fluorescência pode interferir na captura do sinal pelo espectrômetro, mascarando a detecção das moléculas relevantes.  (Schrader, 1995).

Quando uma onda eletromagnética interage com determinado material, as órbitas eletrônicas dos constituintes são perturbadas com a mesma frequência incidente. Esta perturbação na nuvem eletrônica resulta em um momento dipolo induzido e sua interação com a radiação eletromagnética resulta no espalhamento da luz incidente. Dois tipos de espalhamento podem ocorrer: Rayleigh, também chamado elástico, e Raman (Stokes e anti-Stokes), também chamado inelástico. No espalhamento Rayleigh a luz espalhada possui o mesmo comprimento de onda da luz incidida (figura 2b, abaixo); já no espalhamento Raman, o comprimento de onda é distinto. O espalhamento inelástico de luz pode resultar tanto em um fóton de menor energia, quanto em um fóton de maior energia. No primeiro caso (espalhamento Stokes), o fóton incidente encontra a molécula em um estado vibracional fundamental e o fóton espalhado a deixa em um estado vibracionalmente excitado (figura 2a) enquanto que no segundo caso (espalhamento anti-Stokes), a molécula já se encontra vibracionalmente excitada e o fóton incidente a retorna ao seu estado fundamental, espalhando um fóton de maior energia (de Faria DLA, 1997). Em suma, o espalhamento Raman pode ser Stokes e anti-Stokes que diferenciam-se pela característica do fóton espalhado: se ele tiver menor energia que o incidente, trata-se de Raman Stokes, enquanto que, se ele tiver maior energia que o incidente, trata-se de Raman anti-Stokes.

Apesar de o Stokes ser o escolhido para produção do espectro por uma questão estatística, visto que haverá mais elétrons, átomos ou moléculas no estado fundamental sendo este o mais provável.



 Figura 2: Espalhamento de luz: (a) espalhamento inelástico (região Stokes - Raman); (b) espalhamento elástico (Rayleigh); e (c) espalhamento inelástico (região anti-Stokes - Raman)

Cada molécula absorve a energia de forma diferente, a depender de suas características, tais como massa dos átomos constituintes e força da interação entre estes átomos. Por exemplo, átomos pesados, como Enxofre, apresentam menor frequência de vibração do que átomos leves. Esta característica de absorção de energia é bastante importante, uma vez que, quando liberada na forma de fótons, é o que será capturado pelo espectrômetro e permitirá a identificação da molécula. Esta capacidade da luz em afastar as cargas (mudar o dipolo) da molécula é chamada polarizabilidade.

A vibração molecular pode ser decomposta em três: bending, stretching simétrico e stretching assimétrico, como está ilustrado na figura abaixo. (lardbucket.org, s.d.)


Figura 3: Representação esquemática dos tipos de vibração molecular.

O número de modos vibracionais que determinada molécula apresenta é extremamente importante, uma vez que cada um destes modos resultará em um pico de leitura no espectro. Para moléculas tridimensionais, o número de modos vibracionais é dado por 3N-6 e, para moléculas bidimensionais, 3N-5, sendo N o número de átomos que as constituem.

Como resultado, obtém-se um espectro como o apresentado na figura abaixo, onde é possível identificar a molécula de colágeno (pura no espectro D), em amostras de stratum corneum (A), epiderme (B) e derme (C). Como é possível ver no espectro, o colágeno é caracterizado por dois picos, em 2884 cm-1 e 2930 cm-1 (Ali SM, 2013).


Figura 4: Exemplo de espectro Raman. (A) amostra de stratum corneum; (B) amostra de epiderme; (C) amostra de derme; e (D) amostra pura de colágeno.

Através do espectro, é possível identificar as moléculas, seja por já estarem descritas na literatura; seja por obtenção do espectro da molécula pura e compará-lo à amostra em estudo (caso da figura 4); ou, seja por modelagem computacional, através da inferência de onde estão os modos vibracionais através do conhecimento da fórmula molecular e das ligações que a compõem.

Desta forma, a espectroscopia Raman permite, então, entender, em nível molecular, o que está acontecendo com determinada amostra. E, com a enorme vantagem de fazê-lo de forma não invasiva e in vivo, eliminando o a variável do impacto da manipulação da amostra nos resultados obtidos. Um exemplo forte disto é o crescente número de publicações relacionadas à busca de marcadores para detecção de câncer por Raman, eliminando-se assim a necessidade de biópsias.

Referências

Ali SM, B. F. (2013). Raman spectroscopic analysis of human skin tissue sections ex-vivo: evaluation of the effects of tissue processing and dewaxing. Journal of Biomedical Optics, 0612021 - 06120212.
Chrit L, H. C. (10 (4) de 2005). In vivo chemical investigation of human skin using a Confocal Raman fiber optic microprobe. Journal of Biomedical Optics, pp. 0440071 - 04400711.
de Faria DLA, S. L. (1997). Uma Demonstração Sobre o Espalhamento Inelástico de Luz: Repetindo o Experimento de Raman. Quimica Nova.
H. Tagami, M. O. (75 de 1980). “Evaluation of the skin surface hydration in vivo by electrical measurement". J. Invest. Dermatol., pp. 500 -507.
Harris, M. I. (2003). Pele - Estrutura, propriedades e envelhecimento. São Paulo: Senac.
lardbucket.org. (s.d.). Fonte: http://2012books.lardbucket.org/books/principles-of-general-chemistry-v1.0/s22-04-entropy-changes-and-the-third-.html
Peter J. Caspers, G. W. (116 (3) de 2001). In Vivo Confocal Raman Microspectroscopy of the Skin: Noninvasive determination of molecular concentration profiles. The Society for Investigative Dermatology, pp. 434 - 442.
Schrader, B. (1995). Infrared and Raman spectroscopy: methods and applications. VCH.


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sábado, 28 de maio de 2016

COMPARAÇÃO ENTRE AS TÉCNICAS DE ELETROFIAÇÃO E ROTOFIAÇÃO PARA A PRODUÇÃO DE BIOMATERIAIS POLIMÉRICOS


MIRIAN MICHELLE MACHADO DE PAULA

A engenharia de tecidos é um campo interdisciplinar que consiste em desenvolver novos materiais a fim de restaurar, manter ou substituir órgãos e tecidos danificados (1, 2). Diante de um sistema biológico sensível e complexo como o corpo humano, as necessidades de materiais que podem ser usadas como plataformas para engenharia de tecidos são diversificados e extremamente desafiadores onde a escolha do biomaterial é fundamental para permitir que as células se comportem de maneira necessária para formação adequada dos tecidos (1, 3). Portanto, novos materiais que dispõem de melhores propriedades químicas, físicas e mecânicas do que as utilizadas na atualidade são de grande interesse no campo da engenharia de tecidos (3, 4). A FIG. 1 ilustra as vantagens e desvantagens dos principais materiais utilizados como implantes nas ultimas décadas e o mais recente: biomateriais poliméricos (5).



Figura 1. Vantagens e desvantagens dos principais materiais utilizados em implantes.

Vários requisitos têm sido identificados essenciais na produção de plataformas biológicas na engenharia de tecidos onde atualmente direciona seus esforços na obtenção de estruturas tridimensionais (3D), que possam mimetizar o ambiente in vivo, no qual oferecem um efeito significativo na proliferação e diferenciação celular (6, 7).
Estruturas 3D devem apresentar uma porosidade interconectada, no qual irá fornecer um modelo apropriado para fixação e desenvolvimento das células do tecido, pois sua estrutura determina o transporte de nutrientes, metabólitos e moléculas reguladoras para as células e alcançarem uma conformação semelhante à que têm nos órgãos e tecidos do organismo (2, 8).
As nanofibras são um dos materiais que mais se assemelham às estruturas fibrosas da matriz extracelular (MEC) nativa e podem ser sintetizadas a partir de vários tipos de polímeros naturais como proteínas de MEC (colágeno, elastina e fibronectina) e polímeros sintéticos tais como poli ε-caprolactona (PCL) e ácido poli láctico-glicólico (PLGA) e poli acetato de polivinila (PVA) entre outros (9, 10).
Existem várias técnicas para a produção de fibras, entre eles destacam-se a eletrofiação e a rotofiação devido sua versatilidade (11, 12).

Eletrofiação é considerada simples, de baixo custo e versátil gerando estruturas fibrosas em escala nanométrica, que biomimetizam à MEC nativa, o que tem atraído grande atenção na sua aplicabilidade (13, 14).  O sistema de eletrofiação utiliza-se uma fonte de alta tensão, bomba de infusão, uma seringa de vidro, agulha e uma placa coletora. A fonte de alta tensão é responsável por aplicar uma diferença de potencial entre a ponta da agulha metálica e um alvo metálico aterrado para que seja guiado o fluxo do polímero eletrofiado. Resumindo essa técnica utiliza fonte de alta tensão para transformar solução polimérica em forma de fibras (11). A FIG. 2 ilustra o processo de eletrofiação.


Figura 2. Processo de eletrofiação. (Franco et al, 2010 (15))

As fibras começam a se formar quando as forças eletrostáticas superam a tensão superficial da gota da solução, com o aumento da tensão elétrica, a superfície da gota se alonga formando uma estrutura de formato cônico no qual se denomina cone de Taylor (16), como demonstra na FIG 3. Segundo Feng 2002 o alongamento relevante da solução ocorre no início da zona de transição, onde já se encontra pré-estirado em que o diâmetro inicial do jato é reduzido a um diâmetro menor (17). Estima-se que a taxa de estiramento nesta etapa encontra-se na ordem de 102-103 s–1 (18). Salienta-se que a redução do diâmetro das fibras e a rápida evaporação do solvente são favorecidas com o aumento da tensão aplicada no qual intensifica a força de repulsão eletrostática sobre o jato de solução polimérica (19).
Alterações na geometria do jato são decorrentes da elevada tensão longitudinal à qual a solução é submetida e conseqüentemente induz a uma instabilidade do jato devido à flexão (16, 17).  Como resultado de instabilidades viscoelásticas e elétricas, o jato polimérico carregado eletricamente se subdivide em centenas de filamentos ou fibrilas, enquanto o solvente evapora dando origem a mantas fibrosas que se deposita no coletor (eletrodo aterrado) (13, 19).




 Figura 3. Esquema do cone de Taylor. (Adaptadado Costa et al, 2012 (14))

Uma eletrofiação bem sucedida exige diversos parâmetros relacionados com as propriedades físico-químicas dos polímeros e dos solventes, pois influenciam na morfologia das nanofibras. Portanto, os principais parâmetros da solução são: concentração da solução polimérica, tensão superficial, densidade, viscosidade, condutividade elétrica, tipo de solvente e sua velocidade de evaporação. Além disso, os critérios do processo de eletrofiação também interferem na produção e morfologia das fibras, os parâmetros são: tensão aplicada, a vazão, diâmetro da agulha e a distância da ponta da agulha à placa coletora (20-22).
Se estes parâmetros estabelecidos não forem adequados pode ocorrer à formação de contas (“beads”) que são falhas nas estruturas das fibras, uma das características indesejadas na engenharia de tecidos, pois podem apresentar resíduos de solvente sendo altamente tóxico ao meio biológico (14).
Apesar da versatilidade da técnica de eletrofiação, no entanto existem algumas desvantagens: o uso de alta voltagem no qual depende a condutividade da solução limitando a utilização de polímeros e solventes, e baixa taxa de produção (23).
Com a necessidade de superar tais obstáculos, novas técnicas estão sendo desenvolvidas. O novo método da rotofiação foi recentemente desenvolvido e apresentam mecanismo mais simples para a produção de micro e nanofibras, através da rotação em alta velocidade. O sistema de rotofiação consiste: (a) de um reservatório com dois orifícios opostos em suas paredes, acoplado a um motor com velocidade de rotação ajustável (3000 a 30000 rpm); (b) sistema coletor; (c) reservatório com uma seringa e agulha e (d) sistema de alimentação constante da solução polimérica injetada com um sistema de bomba peristáltica instalada (controlada por uma fonte de tensão) (12). FIG 4. Ilustra o processo de rotofiação.



Figura 4. Processo de rotofiação.

As fibras são formadas pela combinação de pressão hidrostática e de pressão centrífuga, ao atingir uma velocidade de rotação elevada à solução polimérica é expulsa através dos orifícios de vazão. A ação centrífuga alonga o jato polimérico em direção a parede do coletor, e devido à inércia da rotação o jato faz uma trajetória curvilínea. A evaporação do solvente ocorre na trajetória dos capilares do orifício ao coletor formando as fibras. A figura 5 representa o sistema ampliado da produção de fibras no processo de rotofiação.




 Figura 5. Sistema de produção de fibras pela técnica de rotofiação, visão ampliada: (i) iniciação do jato, (ii) extensão do jato (iii) evaporação do solvente. (Badrossamay et al, 2010 (12)).

Para uma rotofiação bem sucedida é necessário identificar os parâmetros adequados. Com isso é possível a produção de materiais com diferentes diâmetros e morfologia. Dentre os parâmetros mais importantes estão à escolha do solvente (alta volatilidade); concentração da solução e velocidade de rotação do equipamento. A formação de beads e fibras com diâmetros maiores podem ocorrer por conta os parâmetros escolhidos, por isso a importância de um estudo sistemático de identificação e do controle destes. Por conta da simplicidade a rotofiação é mais atrativo em comparação com outros métodos (12).
Outra vantagem da rotofiação sobre o processo de eletrofiação é a alta taxa de produção em um curto período de tempo, além disso, as fibras produzidas apresentam poros em suas estruturas, esta característica é considerada promissora na aplicabilidade biomédica, pois permite uma melhor interação com organismo biológico. No entanto, à medida que a porosidade aumenta ocorre à diminuição da propriedade mecânica do material o que o desfavorece (12, 24, 25).
A perspectiva de obter melhores condições na produção de fibras poliméricas por uma técnica alternativa, além de amplo conhecimento de suas propriedades pode abrir novas possibilidades encorajando o desenvolvimento de plataformas biológicas na área da engenharia te tecido.



Referências